EM BUSCA DE MU
Em Busca de Mu 1
V.R.: Registro de Hina-Dio, 2 de fevereiro de 1995, Emma Johansen, líder de pesquisa. Finalmente em alto-mar. Mínimo de 5 dias até o Ponto Nemo, chegando com 2 semanas de atraso. 6 dias em Valparaíso: Capitão Sarmento se atrasou dois dias e Engenheiro Ebbers demorou quatro dias para consertar o veículo de operação remota danificado em trânsito. Também perdemos três dias em Hanga Roa, finalizando os termos excêntricos do acordo com a AlertTrust por meio de IRC: reabastecimento por entregas aéreas, ninguém mais permitido a bordo. Isso significou muito mais preparativos, até para um projeto em zona abissal. Ainda nem sei quem ou o que é a AlertTrust. Mas o orçamento ultrapassa qualquer expectativa.
Em Busca de Mu 2
5 de fevereiro. Três dias tranquilos, só o ruído do motor. Tem plástico na água, até mesmo aqui. Mandei o veículo de operação remota avaliar a poluição. Observei o que chamam de cemitério de aeronaves: destroços de satélites no solo abissal. Não há lugar que a humanidade não consiga arruinar. ATUALIZAÇÃO 19:49:48: Se eu não tivesse gravações, pensaria que é só alucinação. Fósseis Tribrachidium. Milhares deles! O chão do oceano está repleto deles. Não são como os espécimes de milímetros que já conhecemos. Têm metros de largura! Alguns talvez tenham decâmetros! Isso mudará como entendemos o Ediacarano. Ninguém acreditará… Preciso dormir.
Em Busca de Mu 3
6 de fevereiro. Acordei com muito barulho: uma entrega de combustível da AlertTrust. Sonhei com incontáveis tribaquídeos, todos vivos! Se mexiam lentamente, com minúsculos membros. Assisti à gravação de ontem de novo para garantir que não imaginei ter visto tudo aquilo. Conforme o veículo de operação remota descia, um padrão apareceu nos fósseis: uma curva em espiral no padrão de Fibonacci. Sei que parece loucura, mas tenho que seguir o caminho, óbvio. Sarmento não pode ficar sabendo. Vou iventar alguma desculpa ciêntífica. Atualização 14:11:33: ventosas hidroterminais aglomeradas no fundo do mar, produzindo uma fumaça ♥♥♥♥♥ em espiral, com cerca de um metro. Não foi o que eu vim procurar, mas isso já não importa mais.
Em Busca de Mu 4
7 de fevereiro. Sonhei com alguma coisa incrivelmente enorme se movendo abaixo do fundo do mar. Parecia… fêmea? Depois, parecia ser a Riley. Ou dentro da Riley? Não fazia sentido. Você jurou que não ia mais pensar nela. Muito mais ventosas produzindo fumaça lá embaixo agora, como uma cidade de chaminés. Não tem como pilotar o veículo de operação remota lá. Algumas das espiras têm mais de 100 metros. Devia achar impressionante, mas mal consigo pensar, com essa dor de cabeça. Tinha um som no meu sonho, como um gemido que ecoava. Ainda escuto isso. Ele não para.
Em Busca de Mu 5
8 de ftv. O padrão dos fósseis de tribraquídeos ficou claro agora. A curva é uma da três que sai em espiral de um ponto central ocultado pelas ventosas fumacentas. As medidas de profundidade nesse ponto são… implausíveis. Um abismo sombrio no meio do fundo do mar. O formato do padrão é o mesmo que tem em cada fóssil. Só que vai por muitos quilômetros. Muitos, mesmo. Dormir não vez o barulho sumir. Ele vai e vem como se fosse a maré. Tenta me dizer alguma coisa. “Fta”. “Fhta”. Tem outros ruídos: guturais, infrassônicos. Não consigo ouvir. São os homens, com os sussuros e os sons dos movimentos e da respiração deles. Preciso prestar atenção. Preciso de silêncio.
Em Busca de Mu 6
c, de fhta. Agora eu ouço. A vibração. As estrelas brilham tanto. Nunca vi elas assim. finalmente, não tem mais ninugém. Os homens estão mortos. Fiz isso rapidinho, rapidinho. Cara de sono cobre corta garganta. Pro lado. flutua pro lado do corte. Kiwa vai pegar eles. depois vermes vermes. o barulho-gemido. escuro. escuro quente. vastidão interior. rastejante. preciso ouvir. sinto. só eu. preciso ver. preciso ver ele. o centro. cidade espiral. o lugar sombrio. agora abriu. tenho que ir. vou ir. hoje de noite. Hoje de noite. Agora.
COMANDANTE NO PORTAL DE ESCAPE
Comandante no Portal de Escape 1
Registro em áudio de Tácito Flores, conselheiro de base, Complexo de Pesquisa em Transporte de Cornudas: primeira semana concluída! A base é mais remota do que eu pensava. Uma hora e meia de carro pra qualquer lugar. A maior parte dela é subterrânea. (Como a maioria dos civis, preciso ficar na superfície.) Meu escritório é um trailer à sobra de um hangar onde eles prendem os cachorros de noite. Me pediram pra não falar com ninguém sobre detalhes do trabalho deles. Estou acostumado com isso. O novo comandante – o quarto do ano – chegou hoje: Cel. Montell Rice. Preciso de tempo pra analisar a ficha dele. Tem histórico.
Comandante no Portal de Escape 2
Ele foi submetido ao controle de raiva mais de uma vez. Na primeira, 18 anos atrás, uma briga na Usina Fairfield acabou com outro homem perdendo a mão no moinho de rolo. Tirando isso, sua carreira militar foi bem-sucedida. Por que o Dr. Gilmar solicitaria esse homem? Já é bem estranho o cientista-chefe tomar decisões operacionais da base, mas de pessoal também? Dizem que Gilman só fala com os outros pelo sistema de correio eletrônico. Acho que ele vive lá embaixo. O clima é mais tenso aqui do que nos outros complexos onde trabalhei, militares ou de corregedoria. Patrulhas armadas e cães de guarda dia e noite. Por quê?
Comandante no Portal de Escape 3
Dizem que Rice é um bom líder, alguém que geralmente se importa. Mas Rojas já é o quarto fuzileiro nas últimas semanas a expressar medo dos ataques de raiva repentinos dele. Preciso informar o general de brigada. Elwood. Não sei prever as consequências, mas alguém pode se machucar. Talvez tenha a ver com a recentes mudanças no portal de esc… hã, CTRC. Os turnos ficaram mais longos. Vários contratos com civis foram encerrados. Mais sessões estão sendo marcadas. Queria poder ver o que está acontecendo no andares mais baixos, pelo bem dos meus clientes.
Comandante no Portal de Escape 4
Agora, estou bem. Gravo isto enquanto fuzileiros limpam meu trailer. Elwood mandou Rice vir me ver no dia seguinte, Ele derrubou a porta num chute e começou a quebrar tudo, descontrolado. Estava delirante, berrava sobre sangue e escória. Eu mantive a calma. Ele me agarrou, mas aí parou, respirou e desabou numa cadeira. Comecei a sessão com perguntas cautelosas. Respostas típicas de fuga deissociativa, mas com surtos de raiva. TEI, talvez? Ele sofre de terror noturno há semanas. Desde a primeira (e única) inspeção de fez no laboratório do Gilman.
Comandante no Portal de Escape 5
Não sei por onde começar. Na segunda sessão, ele estava calmo no geral, mas paranico. “Sabe quantos andares tem para baixo?”, ele perguntou. “Eu também não.” Ele descreveu corredores metálicos tortuosos, alguns sem luz, alguns inundados de uma água verde, descendo montanha adentro. “Eu vi. Vi os esquemas” ele disse. “Somos nós.” Disse que fuzileiros estavam recebendo ‘sangue ruim, peças biônicas ruins’. Aí ele abriu a camisa para mostrar seu esterno. Eu… preciso dar o fora desse lugar. Vou embora agora.
Comandante no Portal de Escape 6
Olá, Sr. flores. Agradeço por ter deixado sua MALDITA FITA aqui pra que eu exaltasse o nosso Criador, SEU SERVO INÚTIL. O Gilman já atravessou. Ascendeu. Agora é o seguinte. Vou dar um anel pro nosso último fuzileiro – sim, o Sr. Veterano Especialíssimo, você sabe quem é e dizer pra ele correr pra cá. “Você é nosso melhor homem. Está é a Operação Contra-ataque, e o comando é seu.” Aí vou atravessar o portal porque ELES ME ESPERAM. E aí ele vai atravessar o portal porque ELE É A P…. DA OFERENDA. Sangue vai jorrar. Lava vai escorrer. Agradeço mesmo, amigo. Nos vemos em breve!
O LOBO QUE LIDERA O REBANHO
O lobo que lidera o Rebanho 1
Hoje dei um sermão para poucas pessoas sobre tutela. A Sra. Viola Mather estava presente, como sempre, e me procurou depois. “Pastor Philips”, ela sempre me chama, apesar de ter conhecido como Paul durante os vários anos que estudamos juntos. Ela pediu um sermão sobre a Parábola da Ovelha Perdidam provavelmente com a intenção de trazer a sua irmã Hazel, probrezinha. Tentei não esboçar expressão e sugeri a Parábola da Moeda Perdida no lugar, mas não adiantou. Ela queria uma metáfora de rebanho, para a família dela. Vou conceder o pedido, pois ela é uma mulher devota.
O lobo que lidera o Rebanho 2
Sonhei com o matadoro do Pai, como eu já esperava. O balido das ovelhas, o som molhado das visceras caindo no chão. O cheiro. como julgá-lo por ter se entregado à bebida? Não imagino que a Viola saiba dos horrores daquele lugar ou de como eles ainda me assombram. Agradeço a Deus por ela não saber. E além disso preciso superar essa aversão a ovelhas e cordeiros, pastores e rebanhos. “Pastor”, assim como me chamam. Abraão, Jacó, Moisés, Davi; todos pastores. O anjo informou o nascimento do Messias não a reis, mas a pastores.
O lobo que lidera o Rebanho 3
Acordei e resolvi escrever o sermão da Viola, mas as palavras não vinham. Decidi consultar a Bíblia da família, que sempre me inspira. Quando me aproximei do antigo atril de ébano, porém, percebi a ponta protuberante de uma página na estrutura. Eu a peguei, e o mais profundo pavor tomou conta de mim. Nela, um diagrama profano coberto de runas místicas. No centro do diagrama, a imagem de um olho com pupila horizontal; um olho de ovelha! Corri para atirá-la ao fogo. Ela não queimou como papel: se retorceu e crepitou. Um pergaminho! Quão antigo será que era?
O lobo que lidera o Rebanho 4
Meus pesadelos prioraram desde que toquei naquela pergaminho profano de dentro do atril. Seria uma bricadeira perversa? Eu não tenho inimigos. Ninguém entra em meus aposentos. O livro descreve a Danação com chamas: lago de fogo, fogo insaciável, fornalha de fogo. Mas o inferno dos meus pesadelos – carne arrancada de tendões, o triturar de ossos, visceras fumegando e se contorcendo – faz fogo parecer clemência. Preciso banir essas visões e escrever o sermão! Mas a parábola da Ovelha Perdida me atormenta. Se a ovelha precisa do pastor, o que acontece com os 99 negligenciadas em prol de uma que se perdeu?
O lobo que lidera o Rebanho 5
O rebanho precisa de mim. Eu os uno. Eu os conforto. Eu lhes dou segurança. As ovelhas temem os lobos. Mas o pastor é o lobo vagaroso. O lobo do qual elas não fogem. Criando, cuidando, guiando, matando. O salmo 39 define bem: as ovelhas estão destinadas à sepultura. Balindo, chorando, desoladas, carentes, abatidas, brancas de um branco sujjo. O coração sangrento lamenta. Até mesmo o bom pastor abate as ovelhas. Por que o rebanho o seguirá? Quem nos abate? Quem nos chama? Ah, diligente Viola. Eu sei o que devo fazer. Sei o que vou escrever.
O lobo que lidera o Rebanho 6
Já obtive o ácido prússico e o misturei à jarra que enche o Cálice. O olho de ovelha me obeservou do fogo. Vou começar com a Parábola, depois pedir que o rebanho passe o Cálice. “O novo testamento é o meu sangue.” Então Apocalipse 7:14, suas vestes lavadas e branqueadas no sangue do cordeiro. E por fim Apocalipse 8:11, para explirar o amargo líquido do Cálice e assegurar a todos que ele é inofensivo aos que se lavaram em branco. Eu também vou beber, como é meu dever. Mas Hazel não vai, infelizmente. Pobrezinha.
A MÚSICA NA ESCURIDÃO
A Música na Escuridão 1
Registro de Sam Dyer, dia 2. Cheguei ao acampamento nas profundezas da caverna Krubera-Voronya. 1.960 m de profundidade. Há sete dias, dois exploradores desapareceram. Teriam chegado mais cedo aqui, mas tive que esperar por equipamentos à prova da água. É uma área pequena, então o rádio e o infravermelho devem funcionar. Não sei por que me recrutaram lá da Nova Zelândia. Acho que é porque tenho menos de um metro e meio. Talvez eu consiga entrar em lugares que eles não conseguem. Meladze, o espeleologista-chefe, me perguntou por que eu não tenho um moko maori no meu queixo.
Pergunta Chata, mas pelo menos ele tá interessado, eu acho.
A Música na Escuridão 2
Dia 5. Primeira vez no sifão terminal. “Dva Kapitana”. Depois dele, tudo é submerso: pelo menos é o que se acha. Esse foi o último paradeiro conhecido dos exploradores. Coloquei sensores e transmissores lá, e em três junções entre o sifão e o acampamento, para relatar e gravar todos os sons e movimentos. Sabia que seria bem apertado, mas não achei que haveria tantos insetos. Pequenas moscas-de-inverno, aranhas tecedeiras minúsculas, pseudoescorpiões com ferrões maiores do que os corpos. Não tem espaço pra fugir deles. Argh, talvez eu consiga fechar minha cabana com fita adesiva.
A Música na Escuridão 3
Dia 10. Dois dias desde que foram até a superfície para reabastecimento. Só estamos eu e Petrenko aqui para monitorar e gerenciar os sensores. Nem sinal dos exploradores perdidos. Noite passada, os microfones captaram sons perto do sifão terminal: algum tipo de zumbido multitonal? Talvez algumas moscas-de-inverno tenham voado perto do… não, não pode ser, porque todos os microfones captaram. Max ouviu e seus olhos se arregalaram. “Isso é… música?”, perguntou ele. Precisamos descer e verificar os equipamentos Alguma coisa está quebrada.
A Música na Escuridão 4
Não acredito. Não é possível, mas nós ouvimos. Estávamos descendo, talvez a 120 m do sifão terminal. Eu estava usando um dos sensores para levar a gravação pro acampamento. Deus, perdi o fôlego. O que foi isso? Parecia um OLÁ… Tá ouvindo?… Estamos chegando ao sifão agora, e.. a água sumiu? Simplesmente sumiu. Temos que entrar. Temos que descobrir de onde está vindo esse som. Max, espera um pouco. Deixa que eu vou. Fica aqui e me passa a corda pra eu voltar. Vou me conectar a você.
A Música na Escuridão 5
Certo. Cheguei a um ponto plano. Mal consegui passar por uma seção apertada, mas cheguei a um tubo extenso. Não sei a profundidade, nem se estou fora do alcance do sinal de áudio. Tenho que continuar falando para me acalmar. O tubo está cheio de insetos, como se tivessem presos aqui por conta da água. Tem algo lá adiante que eles não querem chegar perto. Não consigo alcançar, preciso me desconectar.
São… três estalactites unidas? Não, são leves, como cascos de pernas de caranguejo. Perfuram buracos em cada uma, com algum tipo de… bexiga de ar acoplada a elas. Minha nossa… Acho que é isso que fez a música. São… flautas.
A Música na Escuridão 6
Não tô me sentindo bem. Tem um zumbido na minha cabeça. Tô levando as flautas para afastar os insetos. Não devia ter tocado nelas. Tá escuro lá na frente, talvez seja uma câmara extensa. Ouço uns estralados. Tá ouvindo também? Tão se multiplicando conforme chego mais perto. Como se fossem mil unhas batendo ritmicamente. Espera, tem uma luz! Arroxeada… ah, Deus, ah, Deus, tem dúzias deles. Não têm olhos, caminham em três pernas. Os tubos! Isso não pode ser real. Não consigo me mexer, não consigo… Eles me viram. Tem luzes roxas vindo na minha direção. Tenho que…
Eu… toquei as flautas. Eles pararam e foram embora. Abriram um caminho no escuro para mim. Já entendi, agora. Eles estão me esperando